Disparada do preço do níquel, causada pela guerra e enorme posição vendida em Londres, pode provocar ruptura na produção de baterias
A guerra na Ucrânia está impondo toda sorte de desafios à já conturbada transição para uma economia de baixo carbono. Se a disparada no preço do petróleo torna mais caro o combustível fóssil, as sanções e boicotes à Rússia também têm potencial de disrupção de fornecimento na indústria de veículos elétricos.
Esse risco começou a se materializar, ontem, quando o preço do níquel protagonizou o que alguns analistas chamaram de ‘o cisne negro dos cisnes negros’, numa referência a eventos no mercado financeiro que são imprevisíveis, extremamente raros e de impacto severo e persistente.
Numa decisão inédita, a London Metal Exchange, maior bolsa de metais do mundo, teve que suspender as negociações do níquel na manhã de ontem depois que o preço do contrato de três meses mais que dobrou, ultrapassando os US$ 100 mil por tonelada. O metal já havia subido 80% na véspera, levando a uma alta de 250% em apenas dois dias.
O níquel é um insumo crítico das baterias de lítio, usadas em eletrônicos e veículos elétricos. A disparada de preços põe em xeque os ambiciosos programas de veículos elétricos mundo afora.
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Ontem mais tarde, a bolsa informou que as negociações ficarão suspensas pelo menos até sexta-feira, enquanto tenta encontrar formas de cobrir uma enorme posição vendida no metal, responsável pelo colapso do mercado.
A LME teria dado tempo adicional para que uma unidade do China Construction Bank, um dos maiores bancos chineses, pague centenas de milhões de dólares em chamada de margem.
O que se comenta é que a grande posição vendida pertence ao Tsingshan Holding Group, titã chinês do níquel controlado pelo magnata Xiang Guangda e grande fornecedor da indústria de baterias na China e em outros países. Segundo a imprensa chinesa, as perdas da empresa nos contratos futuros estariam em US$ 8 bi.
A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de níquel, enquanto a russa Nornickel é a maior produtora do metal de alta qualidade, do tipo usado na fabricação de baterias. Diante do receio de que o produto sofra embargos num mercado que já vinha pressionado pela demanda aquecida, os preços dispararam.
Com esse cenário, muitos vendedores a descoberto (que vendem os contratos apostando na queda, sem ter o metal para entregar, em busca do ganho financeiro), correram para cobrir suas posições vendidas, levando ao short-squeeze.
Ontem, no fim do dia, Vladimir Putin adicionou ainda mais risco ao declarar, em resposta ao embargo americano ao petróleo russo, que proibirá a exportação de commodities. A lista dos itens proibidos, que pode incluir o níquel, será definida nos próximos dias.
No Brasil, o quadro de escassez do metal beneficia a Vale, uma das maiores produtoras do mundo, com minas no Canadá, onde adquiriu a Inco nos anos 2000, na Indonésia e também no Estado do Pará.
Insumo para baterias
Dificilmente o preço do metal deva se firmar no patamar alcançado e ainda é cedo para prever todas as consequências da disrupção do fornecimento para o segmento de carros elétricos, que vem em franca expansão.
Contas feitas por analistas do Bank of America indicam que, se os preços do níquel se firmarem em torno de US$ 80 mil a tonelada, o custo das baterias de veículos elétricos aumentaria em quase 25%, e o custo total dos materiais para carros elétricos em quase 10%.
E o níquel não está sozinho nessa: o preço do lítio subiu mais de 500% no último ano, com a demanda crescente da indústria de baterias.
As baterias de lítio de alta densidade de energia, usadas em veículos elétricos de longo alcance, usam uma quantidade significativa de níquel num dos pólos.
Hoje, apenas cerca de 5% do suprimento mundial de níquel vai para o segmento de baterias usadas nos veículos elétricos, mas projeções apontam que esse percentual deve se aproximar dos 60% ainda nesta década, conforme a eletrificação da frota de carros ganhe tração.
Não à toa, fabricantes como a Tesla têm se empenhado em financiar o desenvolvimento da produção de níquel no mundo, via a assinatura de contratos de fornecimento de longo prazo para injetar capital nas mineradoras.
Na semana passada, a Rivian, uma fabricante de caminhonetes elétricas que tem a Amazon como investidora e fez um IPO histórico no fim do ano passado, provocou a ira dos seus consumidores ao informar que iria reajustar em 17% o preço dos carros reservados por seus clientes que estão em lista de espera para incorporar a inflação generalizada de insumos. Debaixo de severas críticas, teve que voltar atrás.
Reproduzido do original Reset:
O 'cisne negro' que pode abalar a produção de carros elétricos | Reset (capitalreset.com)