CANA-DE-AÇÚCAR PARA DIABÉTICOS.
Prof. Dr. Octavio Antonio Valsechi
(vico@ufscar.br)
Quem teve oportunidade de conhecer a região amazônica sabe muito bem que todo santo dia chove.
A dúvida é se a chuva vai ocorrer as 15h ou as 16h, mas que chove, isso chove.
A cana-de-açúcar como todo vegetal necessita de alguns insumos naturais para se desenvolver e cumprir seu papel na natureza que é a perpetuação da espécie. Luz, água e sais minerais.
É sabido que todo vegetal e alguns outros seres vivos fazem fotossíntese para seu desenvolvimento.
A fotossíntese é um processo realizado pelas plantas para produção de seu próprio alimento.
De forma simples, podemos entender este processo.
O processo da fotossíntese acontece quando a água e os sais minerais são retirados do solo através da raiz da planta a acaba percorrendo o caule até as folhas em forma de seiva. Nas células das folhas há muitas estruturas chamadas cloroplastos que contém a clorofila, o pigmento que dá a cor verde à planta. Estes, retiram gás carbônico do ar e energia do Sol.
Através deste processo, a planta produz seu próprio alimento constituído essencialmente por glicose, um açúcar simples denominado de monossacarídeo.
Desta forma, sempre que houver luz, haverá a fotossíntese.
É necessário entender que quando há disponibilidade de água, este processo é facilitado e acelerado.
Como visto anteriormente a cana-de-açúcar produz, inicialmente um monossacarídeo denominado glicose, mas também, por via metabólica produz um outro monossacarídeo denominado frutose.
A união destes monossacarídeos, resulta em uma série de moléculas largamente conhecidas pelo homem, sendo a primeira delas um dissacarídeo resultado da união de dois monossacarídeos, a sacarose, ou o açúcar de mesa, que nós utilizamos para confeccionar nossos alimentos e bebidas.
Outros compostos também são formados pela união dos monossacarídeos, como por exemplo o amido, a celulose, a hemi-celulose, a lignina e outros tantos.
A celulose, hemi-celulose e lignina, juntos formam os vasos lenhosos, tecnicamente denominado de fibra, necessários para o desenvolvimento e sustentação das plantas e para o transporte da seiva para as folhas.
Com disponibilidade de água, a cana-de-açúcar tem seu primeiro estágio de desenvolvimento, o de crescimento vegetativo, isto é, a formação prioritária de vasos lenhosos e basicamente pouca reserva de açúcar, uma vez que estes são usados para o crescimento vegetativo.
Então, pergunta o leitor, como a cana-de-açúcar nos fornece o açúcar?
Bastante simples, em escassez de água, o processo fotossintético continua, mas ao invés de produzir vasos lenhosos, a planta armazena energia na forma de sacarose, por ocupar menor espaço no interior das células, para quando houver novamente disponibilidade de umidade, utilizar esta reserva para voltar a crescer e tentar completar seu ciclo vegetativo produzindo novos indivíduos através das sementes de suas flores.
Pois bem, é nesta fase que nós tiramos o que nos interessa, ou seja, a sacarose. Controlando a quantidade de energia armazenada na cana-de-açúcar podemos tirarmos o máximo possível de açúcar antes que a época das chuvas retorne, pois aí vai haver, além da dificuldade de tirar a matéria prima do campo, a concentração de sacarose vai estar menor que no seu ápice da maturação.
Isto explica a razão da safra na região centro-sul ser nos meses de inverno e a do norte-nordeste nos meses de verão, são estações secas.
Entendido o anteriormente exposto, clareamos as ideias de que se plantarmos cana-de-açúcar na Amazônia, a chance de sucesso de sermos bem-sucedidos financeiramente é muito remota, uma vez que naquela região não há época de seca.
Dificilmente alguém em seu estado consciente de raciocínio, iria querer arriscar produzir cana-de-açúcar naquela região para extração da sacarose.
Mas mesmo assim, em 1974, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), inaugurou, na cidade de Medicilândia, às margens da Transamazônica, uma unidade industrial que foi vendida em 1994 e fechada em 2000.
Entendendo este processo, tornaria desnecessário a revogação do Decreto nº 6.961/2009, que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar (ZAE Cana), do qual tivemos oportunidade de participar juntamente com os competentes técnicos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Naquela época visamos elencar quais áreas seriam factíveis de serem utilizadas para o cultivo da cana-de-açúcar, com e sem irrigação, não comprometendo os biomas protegidos como Amazônia, Pantanal e outros, e também que não competissem com alimentos. Descobrimos cerca de 64 milhões de hectares, basicamente seis vezem mais do que temos hoje cultivado.
Até o momento, com as variedades de cana-de-açúcar que dispomos hoje, torna-se inviável querer produzir açúcar ou etanol naquela região, à não ser que queiram produzir cana-de-açúcar para diabéticos, ou seja, uma cana-de-açúcar bastante rica em água, mas sem açúcar.